Yoga Journal Brasil Bem-estar Ayurveda Ayurveda feminino

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Ayurveda feminino

Por: Thays Biasetti

A médica americana Claudia Welch começou a meditar com oito anos. Conheceu o Ayurveda na Índia quando era adolescente e desde então se dedica à técnica. Nessa entrevista, ela fala sobre o porque das mulheres enfrentarem tantos problemas e como fazer pa



Yoga Journal: Por que você acha que a humanidade está tão cheia de doenças?
Claudia Welch: 
Quando o Ayurveda foi desenvolvido pelos rishis, eles perceberam que as pessoas que tinham sido retiradas de um estilo de vida natural e viviam em centros urbanos estavam desenvolvendo mais doenças. Se isso estava acontecendo naquela época, milhares de anos atrás, você pode imaginar o exponencial dessa dissociação de ritmos da natureza.

YJ: Estamos vendo o aumento de muitas doenças como o câncer, problemas mentais, do coração. E também menopausa, TPM e coisas que nossas avós não tinham. Você acredita que isso aconteça por causa desse novo estilo de vida moderno?
CW: 
Sim, é uma grande parte. Nas medicinas orientais nós olhamos para o macrocosmo para entender o microcosmo. E olhamos para o microcosmo para entender o macrocosmo. Uma coisa que podemos reparar é a situação com as abelhas, que estão desaparecendo na América do Norte, Europa e outros países. É interessante se você tomar como um exemplo do que acontece com o macro e o microcosmo, porque é uma sociedade matriarcal. Há a abelha rainha, há milhares de abelhas fêmeas que saem para polinizar e recolher o material e há apenas uma pequena quantidade de machos. E o que isso nos diz sobre o aspecto feminino do mundo e dos indivíduos?

YJ: Você acredita que o aspecto feminino do mundo está morrendo?
CW:
 Está com problemas. No Ayurveda associamos qualidades do bruhana, de nutrição, com o aspecto feminino. Nutritivo, devagar, calmo, substancioso, associamos essas qualidades com o feminino. Mas essas qualidades não são apreciadas na sociedade moderna. Apreciamos mais as qualidades langhana, masculino, ambição, movimento, vida corrida. Langhana significa leveza. Então, são qualidades que deixam o organismo leve, então temos insônia, ansiedade, emagrecemos, e nosso sistema endócrino desmorona, e daí, talvez engordamos. Mas o primeiro problema é muita ambição, muito estresse, muita ansiedade, com essas qualidades masculinas, as qualidades femininas estão sofrendo. As abelhas estão morrendo, as qualidades femininas também.

YJ: Então, a revolução feminina dos anos 60 transformou as mulheres em homens? 
CW: 
Isso se chamou a liberação feminina, mas quantas mulheres se sentem libertas? Ainda criamos os filhos, ainda fazemos as coisas que costumávamos fazer, mas também tentamos encontrar poder, posição, prestígio em uma sociedade tradicionalmente masculina.

YJ: Você acha os hormônios sintéticos que tantas pessoas tomam estão causando alguns desses problemas também?
CW: 
Os hormônios sintéticos vieram como uma solução para um problema, mas não se dirigem ao fundo do problema. São direcionados aos sintomas. Há um problema com os hormônios sintéticos, pois são diferentes dos hormônios naturalmente fabricados por nós, então, eles vêm com efeitos colaterais. Naturalmente, as mulheres têm hormônios do estresse e sexuais. Como vivemos em uma sociedade estressante, os hormônios do estresse são constantemente liberados em nosso corpo. Isso esgota a glândula adrenal. Hormônios do estresse são muito masculinos, langhana. Os hormônios sexuais são bruhana, são hormônios nutritivos, construtores. Sempre que há esses hormônios estressantes, langhana, irrigando o corpo, então o aspecto bruhana é menor, e o equilíbrio é prejudicado.

YJ: Quais são os problemas mais comuns que você vê no dia a dia?
CW: 
O problema mais comum é que as mulheres estão vivendo vidas que não estão felizes em viver. E quando isso acontece, cria estresse e quando o sistema nervoso estressa fica hiper suscetível a tudo, parece que tudo é uma ameaça. E esse aumento em longo prazo em sensibilidade e reatividade cria uma cascada de problemas nas mulheres. Então, o maior problema é que mulheres estão vivendo vidas que são muito rápidas para elas, muito estressante, e elas não acreditam que podem mudar.

YJ: Então, o que podemos fazer para melhorar? 
CW: 
Podemos mudar nossas vidas. Se esperamos nossas vidas mudarem sozinhas, não vai acontecer nada. É engraçado porque as mulheres estão vivendo essas vidas que são muito rápidas, muito estressantes, e elas não gostam disso, mas estão com medo de mudar, pois acham que tudo vai desmoronar. O fato é que se mudamos, se diminuímos o ritmo, nada desmorona e as coisas ficam melhor. Ironicamente, é preciso coragem para viver a vida que queremos, e não para viver a vida que não queremos.

YJ: Falando em alimentos e ervas, há algo que podemos fazer?
CW: 
Primeira coisa que podemos fazer é diminuir o ritmo. Se usamos ervas como uma solução e continuamos vivendo uma vida estressante, a raiz do problema não vai ser mudada. A mulher pode parar de fazer algo que parece ser demais, e apenas observar, estar consciente: sua vida desmorona por que parou de fazer algo? Você descobre que não só não desmorona, como fica melhor. E então, você dá mais um passinho para diminuir o ritmo. Você faz aquilo que o coração e a alma querem e tem coragem de viver a vida que quer. Então a vida não desmorona e você começa ir em um direção cada vez mais terna e bem sucedida.

YJ: Além disso, há algo mais concreto que podemos também fazer, como mudar a alimentação?
CW:
 Alimentação é simples. Você precisa comer alimentos integrais, não processados. Quanto mais processado é o alimento, menos qualidades bruhana ele tem. Então, ganhamos peso, nos sentimos letárgicos. Alguns alimentos parecem que estão consertando o problema de langhana. Você pensa: estou tendo ataques de pânico, ansiedade, então vou comer sorvete, pizza, essas comidas pesadas. Eles até vão equilibrar o langhana, mas não em boas qualidades. Vai apenas nos dar uma nutrição não verdadeira. Então, a vida vai aos extremos. Correndo, correndo, e comendo alimentos pesados, para que não saiamos voando. Então, o que devemos fazer é começar a comer alimentos integrais, grãos integrais, alimentos frescos, se possível orgânicos. Melhor ainda se conseguimos plantar nosso próprio alimento, pois colocamos as mãos na terra. Mas o mínimo a fazer é bebermos, quando estivermos com sede. Comermos com fome. E quando estivermos cansados, descansarmos. Essas são as coisas fundamentais.

YJ: E respirar.
CW:
 E respirar. É o mais poderoso remédio. Mas nem todo pranayama é bom para todo mundo. Por exemplo, se faz um pranayama muito estimulante e já tem ataques de pânico, pode piorar o problema. Mas para a maioria é bom em algumas doses. Se você for fazer uma técnica muito estimulante, coloque entre duas respirações tranquilas. Assim você estimula o sistema nervoso parassimpático e então o simpático (com a técnica estimulante) e depois o parassimpático de novo. Para equilibrar. Você reeduca o sistema nervoso a ficar bem com a estimulação. No ponto em que estamos, o corpo está entendendo energia como estresse. Então, quando fazemos algo como kapalabhati, nosso sistema nervoso entende como estressante, porque o corpo está confuso entre energia e estresse. Se mesclamos as técnicas, dizemos ao corpo que não é estresse, é um aumento de energia e podemos reeducar o corpo para isso.

YJ: Por que o corpo das pessoas que têm ataque de pânico vê perigo em tudo. Isso melhora?
CW:
 Se alguém tem histórico de ataques de pânico, na minha opinião, é melhor não fazer respirações que estimulem, apenas as calmas. Respiração alternada é ótima, porque estimula ida e pingala. E ida é o aspecto bruhana, nutritivo, feminino. E pingala é o aspecto masculino, langhana, e responsável pela motivação. E a respiração alternada pode colocar em harmonia esses dois aspectos.

YJ: E você acredita que isso equilibraria os hormônios?
CW: 
Com certeza. Vou contar uma história para ilustrar o que acontece com muitas mulheres. Tenho uma paciente que é professora de Yoga e ela estava tendo problemas de desequilíbrio hormonal. E mesmo com a alimentação certa, estilo de vida certo e ervas corretas, ela continuou com desequilíbrios hormonais. Então eu disse que ela deveria fazer abhyanga, o que ela fez e a deixou bem melhor por um bom tempo. Mas então o estresse aumentou no trabalho e ela atingiu a pior fase da menopausa. E ficou muito difícil. Então, recomendei a ela fazer 15 minutos por dia de respiração alternada. Daquele dia em diante, nos dias em que ela faz a respiração, ela não teve mais sintomas, e nos dias em que não fazia, ela tinha sintomas. Esses sintomas são sinais de desequilíbrio hormonal significativo. Isso pode ser bom para qualquer uma. Aquelas que não estão na menopausa, ainda enfrentam flutuações hormonais. A respiração lenta acalma o sistema nervoso e estimula ida, apoiando as qualidades de bruhana. Fazer uma respiração alternada acalma a superativação de pingala e melhora a atividade deficiente de ida e equilibra os hormônios sexuais e do estresse.
YJ: Quais são as melhores ervas para isso?
CW: 
Shatavari é muito boa, mas tenho uma consideração com essa erva: é possível que parav mulheres que tenham fibrose cística nos seios ou no útero, shatavari não seja a erva certa. Para essas mulheres, vidari kanda é melhor, na minha opinião.

YJ: E ervas ocidentais? Você conhece alguma?
CW: 
Não estou muito familiarizada com elas, mas Vitex, chasteberry e alcaçuz podem ser efetivas.  Entre as ervas chinesas, dang gui é boa. Uma mistura delas pode fazer muito bem. Mas o problema com as ervas hoje em dia é que se todo mundo depende de ervas, em vez de mudar a vida para consertar o problema, há um limite de até onde as ervas podem ajudar. É como tomar remédio normal, sem os efeitos colaterais ruins.

YJ: Os problemas de tireóide que muitas pessoas, novas até, estão tendo, é também por causa do mesmo problema?
CW: 
Sim. O estresse afeta o sistema endócrino, do qual a tireóide faz parte. Geralmente afeta a adrenal primeiro que fica lenta, e vai afetar os ovários, e depois a tireóide.

YJ: As pílulas anticoncepcionais que quase todas as mulheres tomam também afetam o sistema?
CW: 
É interessante porque nos EUA, o NIH (Instituto Nacional de Saúde) fez um estudo bem grande sobre os efeitos da terapia de reposição hormonal, com mulheres na menopausa que tomavam hormônios sintéticos. Tiveram que parar o estudo antes do previsto porque houve um aumento muito grande de risco de doenças cardíacas, derrame, câncer de mama e efeitos colaterais negativos da terapia hormonal sintética. Milhões de mulheres pararam de tomar os hormônios sintéticos por indicação dos médicos, pois os riscos não valiam os benefícios. Mas esses mesmos tipos de hormônios sintéticos são usados em pílulas anticoncepcionais por mulheres jovens. Por que isso não é comentado? Podemos culpar os médicos ou a indústria farmacêutica, mas são as mulheres que estão tomando. Elas querem uma solução fácil e rápida. Em minha opinião, os riscos não valem os benefícios. Hoje em dia há tanta informação disponível. Há um livro em inglês chamado “Taking charge of your fertility” (Toni Weschler, sem tradução no Brasil) que descreve como as mulheres podem entender seus ciclos, seus hormônios, sua fertilidade, e ficar grávida quando quiser, ou evitar se não quiser. Os preservativos ajudam a prevenir doenças também, mas se a mulher tem apenas um parceiro e quer prevenir a gravidez, com um pouco de pesquisa e aprendizado sobre seu ciclo, nunca mais vai ter que se preocupar com isso.
A médica norte-americana Claudia Welch faz parte da equipe do dr. Robert Svoboda e é especialista em Ayurveda para mulheres. No Brasil, Claudia faz parte do projeto Ayurveda para Mulheres, desenvolvido pelo Instituto Naradeva e a ABRA. www.draclaudiawelch.com

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